Terapia acena com chance de evitar crise de abstinência – February 2013 – O Globo
ENTREVISTA ANDRÉ WAISMANN
Morando em Israel desde 1982, o médico carioca André Waismann, de 54 anos, desenvolveu um tratamento de desintoxicação rápida, à base de naltrexona, que promete curar o vício em opiáceos em 36 horas e suprimir ânsias.
Por que a desintoxicação de opiáceos é tão difícil?
Por muitos anos o vício em drogas foi atribuído a questões psicossociais, mas a ânsia pela droga está no cérebro. O corpo humano produz endorfina, que regula uma série de funções no corpo e faz com que a gente se sinta bem. Produzimos microgramas por dia e é o suficiente. Mas, quando um médico prescreve miligramas de morfina para um doente com dor ou quando alguém se vicia em gramas de heroína diárias, acontece um processo de supressão da produção natural pelo organismo e a dependência é criada, a pessoa fica dependendo de opiáceos (substâncias derivadas do ópio, como heroína, metadona e analgésicos à base de codeína, morfina e tebaína) externos.
E não adianta ter força de vontade para parar?
Se uma pessoa tiver uma força de vontade extrema, poderá vencer a abstinência. Mas, no tratamento de heroína, por exemplo, a crise pode durar duas semanas. No caso da metadona, uma substância sintética, dura quase um mês. Muita gente nem busca ajuda porque o tratamento é difícil, doloroso, há vômitos, diarreia. Muitos dos que tentam se desintoxicar não conseguem passar pela crise abstinência. Ou, quando passam, acabam voltando ao antigo vício. l Por quê? Nosso cérebro tem receptores específicos de opiáceos de acordo com a produção de endorfina. Quando a pessoa está produzindo, a quantidade é uma. Mas, se passa a usar miligramas ou até gramas de opiáceos, o cérebro produz novos receptores, que não somem nunca mais, mesmo depois de uma desintoxicação do organismo.
Qual é a diferença do tratamento que o senhor desenvolveu?
Meu tratamento é baseado na raiz médica da dependência, não na psicológica. O objetivo é restabelecer a produção de endorfina a bons níveis em menos de dois dias e não em duas semanas. Além disso, bloqueio os receptores extras que foram criados no cérebro com os meses ou anos de dependência. Assim, eu restabeleço uma relação normal entre receptores e endorfina e consigo mudar o status psicológico do doente. É efetivo, humano, rápido e acessível.
Quanto tempo o paciente tem que ficar no hospital?
A hospitalização dura 36 horas. Durante este período o paciente fica sob anestesia geral por cerca de quatro horas. É neste momento que eu ministro a naltrexona, que antagoniza os opiáceos, limpa o corpo e bloqueia os receptores que não são mais necessários. O paciente não sente a crise de abstinência. Quando acorda, já está limpo.
Não é muito invasivo e drástico?
Já passei por diversas ondas de ataques, em geral assistentes sociais, psicólogos e psiquiatras. A base do trabalho deles não é a medicina, então eles não sabem exatamente o que estão criticando. No início, enfrentei discussões acaloradas em vários lugares do mundo. Mas hoje chefio um departamento importante de um hospital público de Israel (o Centro de ANR do Hospital Barzilai, em Ashkelon, no Sul do país, que já tratou mais de 18 mil viciados do mundo todo).
Qual o percentual de sucesso do tratamento?
Todos os doentes internados recebem alta sem a dependência em opiáceos. Ficam limpos e sem ânsia. Um ou dois anos depois, entre 75% e 80% continuam sem nenhuma dependência de opiáceos. É um percentual alto.